A pandemia, não fez com que os problemas, como a fome, a violência ou as restantes doenças ficassem em standby, também não fez com que eu, enquanto pessoa que sofre de ansiedade e de depressão, pusesse a minha condição psicológica em standby. Isto para dizer que, a minha ansiedade e a minha depressão continuam cá, e agora estou fechada em casa com os meus demónios. E o que antes me distraia, já não cumpre esse papel tão bem.
Olá, eu sou a Filipa. Tenho 26 anos. Desde os 18 anos, a minha vida é uma luta constante contra a ansiedade e alguns (bastantes!) episódios depressivos, uns mais longos que outros, uns mais fortes que outros. É uma luta com altos e baixos, da qual normalmente saio vencedora (mas a que custo?). À parte disto, tenho e sempre tive uma vida normal, dentro do possível.
Entrei para a faculdade e, no meio de consultas de psicologia e psiquiatria, antidepressivos, ansiolíticos e estabilizadores de humor, formei-me em Jornalismo. De momento trabalho para uma grande empresa, e entre os meus problemas psicológicos e o stress dos dias de trabalho, vou sempre tentando manter a sanidade mental (faço o meu melhor).
Conto-vos isto para vos dar algum contexto, e explicar-vos como está a ser a minha experiência de isolamento, enquanto pessoa que sofre destas condições psicológicas.
Desde que comecei esta luta ingrata, contra os demónios da minha cabeça, que me aconselham a encontrar escapes para os calar ou, no mínimo, tentar abafar-lhes a voz: fazer o que gosto, passar tempo com quem gosto. Sair. Ter um hobby. Ver séries. Dormir bem. E estes escapes resultam enquanto fuga aos dias stressantes de trabalho. Resultam quando existe vida lá fora. Quando existe vida além deles.
Com o isolamento, (quase) obrigatório, que nos foi imposto recentemente, essa vida lá fora veio para dentro de casa.
Lá fora, só existe uma pandemia, e eu "só" vou lá fora para fazer compras. Há mais de uma semana que fiquei confinada a este espaço, que é a minha casa, e o que antes era escape, são agora as únicas coisas que me restam para fazer. O que era escape, agora virou rotina: enquanto pessoa que sofre de ansiedade e depressão, nada me sabe melhor do que chegar a casa e estar com os meus pais. Ler um livro. Ver um filme. Estar sossegada e falar com os meus amigos pelo Whatsapp. Mas, eu sei que, no dia seguinte, vou sair para ir trabalhar, e que tenho vida lá fora. E que os meus escapes vão ser só isso: escapes. Ou sabia, até há uma semana.
Porque agora esses dias normais já não existem e a minha rotina foi quebrada. Agora, os meus dias são “isto”. E eu podia ver “isto”, como uma oportunidade para descansar ou limpar a cabeça do stress quotidiano. Podia. Mas não funciona assim.
Estamos numa fase em que o medo do futuro tomou conta da maior parte de nós. Um Estado de Emergência, uma pandemia. Pelo menos uma morte por dia, e centenas de novos casos confirmados todos os dias. Estamos com medo. E, continuamos fechados, em casa a jogar jogos de tabuleiro, porque de momento é a única coisa que podemos fazer. E esta parece ser também a única coisa que nos ocupa a cabeça. Ou, eu gostava que assim fosse.
Porque, tal como uma pandemia, não fez com que os problemas como a fome, a violência ou as restantes doenças ficassem em standby, também não fez com que eu, enquanto pessoa que sofre de ansiedade e de depressão, pusesse a minha condição psicológica em standby.
Isto para dizer que, a minha ansiedade e a minha depressão continuam cá, e agora estou fechada em casa com os meus demónios. E o que antes me distraia, já não cumpre esse papel tão bem.
Eu, também tenho medo do amanhã, mas não por causa da pandemia. Porque já tinha antes. E se me perguntaram porquê, eu não vos sei responder. Porque a minha ansiedade sempre me disse para eu estar alerta, mas nunca me disse porquê. E eu estou. Não só, porque estão a morrer pessoas todos os dias, mas porque sim. Porque alguma coisa me diz que eu tenho que estar. Desde os meus 18 anos. E num plano menos abstrato, até coisas simples como lavar as mãos, se tornaram num fator de ansiedade. Porque tenho de o fazer, “tenho mesmo de o fazer já!” - penso.
A linha entre a ansiedade e o transtorno obsessivo-compulsivo fica cada vez mais ténue. E as consultas são desmarcadas. E os medicamentos acabam. Ir à farmácia obriga-me, agora, a estar exposta.
E passar estes dias em casa, sem saber quantos mais tenho que passar, tem sido uma experiência desafiante e assustadora. Porque, a minha mente faz-me temer por coisas que eu nem sequer sei se existem. Porque, já em circunstâncias normais, em que eu tenho o controlo dos meus dias, eu sinto um peso nos ombros e um aperto no peito quase constantes. Agora, eu não tenho o controlo dos meus dias, na medida em que não sei o que vai acontecer daqui para a frente, na medida em que desconheço durante quantos mais dias a minha rotina vai continuar a ser solitária, entre chats e Netflix. E assim, vou tentando passar os dias. Tentando criar uma rotina para poder sentir algum controlo sobre ela e sobre mim mesma. E como eu, existem outras tantas pessoas, que no meio desta pandemia, estão q.b. desamparadas e confusas. Todos estamos, eu sei.
Digo-vos isto não para que sintam pena, mas para vos dar a conhecer uma realidade, que pode não ser a vossa, ou da qual podem não estar próximos. E digo-vos isto, também, para que não descurem as vossas relações sociais (ainda que à distância). Cuidem dos vossos amigos e da vossa família, como os meus amigos e a minha família têm cuidado de mim para não me deixarem cair.
Não deixem cair as vossas pessoas.
A rumo desafiou a Filipa a refletir e a partilhar, sobre como está a ser a sua experiência pessoal, neste período de Estado de Emergência, de isolamento e distanciamento social. Obrigada, Filipa, pela partilha, confiança e inspiração.
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